Segundo o último Censo Escolar, em 2008 foram reprovadas 74 mil crianças de 6 anos, que estavam aprendendo a ler e escrever. Ao justificar o modelo da aprovação automática, os membros do CNE afirmam que o ideal seria que as crianças passassem a ser avaliadas só depois dos 9 anos. Antes dessa idade, a reprovação dificultaria a alfabetização e seria um fator de desestímulo. No Nordeste, que tem as mais altas taxas de evasão escolar do País, a reprovação nas primeiras séries do ensino fundamental é apontada como uma das causas do problema.
"O Brasil tem uma cultura forte de reprovação. Como estamos atualizando as diretrizes, vamos recomendar fortemente o princípio da continuidade. Sabemos que as resoluções do CNE não têm a força de lei, mas direcionam o sistema educacional", diz a coordenadora de ensino fundamental da Secretaria da Educação Básica do MEC, Edna Martins Borges. Existem mais de 152 mil escolas públicas e privadas de ensino fundamental no País, com 31 milhões de alunos. Desse total, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao MEC, apenas 2 milhões teriam mais de cinco horas de aula por dia.
Pela decisão do CNE, cada escola terá autonomia para elaborar seu projeto pedagógico, o que lhes permitiria oferecer aulas extras e trabalhos especiais para alunos com dificuldades de alfabetização. Mas, para os críticos dessa decisão, não se pode dar tanta liberdade para as escolas ? principalmente as públicas. Eles põem em dúvida a capacidade dos professores de dar tratamento diferenciado aos estudantes mais fracos. Alegam que o modelo da progressão automática tem por objetivo reduzir os gastos dos Estados e municípios com ensino. E afirmam que, por não estar acompanhada de uma política de reorganização pedagógica, com apoio financeiro, a iniciativa do CNE trará mais problemas do que soluções.
"Boa parte das escolas brasileiras só tem professor e giz. Largadas à própria sorte, sem respaldo das Secretarias da Educação e do MEC, essas escolas dificilmente terão sucesso. A história já mostrou que, desacompanhada de professores bem formados, sem boa gestão e sem recursos corretos para ajudar no aprendizado, a progressão não dá bons resultados", afirma a coordenadora da Pós-Graduação em Educação da UniRio, Cláudia Fernandes.
Essa também é a opinião de quem terá de pôr em prática a resolução do CNE na sala de aula. "O MEC propor que professores criem alternativas, quando eles estão sobrecarregados, sem material didático, em escolas sem horário integral e lidando com pais que não podem acompanhar os estudos dos filhos, é a prova de que ele não conhece o que enfrentamos", diz a professora Inês Barbosa, responsável por uma turma de ensino fundamental numa escola municipal do Rio de Janeiro.
O modelo da progressão contínua começou a ser adotado há duas décadas em vários Estados. Os resultados foram tão insatisfatórios que, há alguns anos, na cidade de Várzea Paulista, próxima da capital, pais de alunos e o Ministério Público chegaram a entrar com recurso para suspender a experiência. A Secretaria Municipal da Educação conseguiu cassar a liminar e retomou a experiência. Boa parte dos alunos beneficiados com a aprovação automática se converteu em analfabetos funcionais.
A iniciativa do CNE é mais uma amostra dos modismos e improvisações que têm desorganizado o já combalido sistema de ensino básico. Para os pedagogos contrários à aprovação automática, se é perverso reprovar uma criança, mais perverso ainda é deixá-la frequentar a sala de aula e permitir que ela continue analfabeta.
Fonte: Estadão Opinião - O Estado de São Paulo/ Sala de Aula.